Por que ser PM? Jovem troca escritório por carreira como soldado



Monica de Oliveira Portela tem 26 anos, é fã de Pink Floyd, gosta de correr maratonas e tem como principal meta se casar logo com o noivo, com quem namora há cinco anos. Na última semana, ela terminou o curso de formação para a sua nova carreira e agora está prestes a ir às ruas em sua nova função: ela agora é uma policial militar.

"Hoje eu não fico pensando muito no que vai acontecer porque, se eu ficar pensando muito, vou ficar ansiosa", afirma a soldado. "Mas tenho certeza de que vou tomar a atitude certa, na hora certa. Se eu precisar defender a vida de alguém, vou defender. Tenho certeza de que vou estar preparada para isso."
Moradora de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, Monica conta que desde criança pensava em ser policial e buscava inspiração nas cenas de ação de uma personagem feminina muito popular no mundo dos games: Lara Croft, a heroína da série "Tomb Raider".
Apesar de atribuir a vontade de ser policial a um sonho de infância, a soldado recém-formada só começou a correr atrás da nova carreira nos últimos dois anos. Antes, concluiu um curso superior de rádio e TV, chegou a fazer estágios em empresas do setor e trabalhou por alguns anos no ramo. A mudança de rumo veio em 2014, quando começou a estudar para prestar o concurso para PM

Mas o que leva uma jovem com pouco mais de 20 anos a trocar um emprego em um escritório com ar-condicionado pela vida de policial? Monica afirma que, além do desejo de criança, outro fator contribuiu muito para a decisão: a forte influência do pai e do namorado.
O namorado de Monica também é policial militar e atua como segundo-sargento do Corpo de Bombeiros. Já o pai é caminhoneiro e prestou o serviço militar obrigatório na juventude. Desde então, tornou-se um admirador do militarismo e hoje valoriza a amizade de policiais que trabalham na Rota, a tropa de elite da PM. "Meu pai me incentivou desde o início", diz a nova soldado. "Já a minha mãe teve um pouco de resistência no início por conta de ser uma profissão que ela considera muito perigosa."

O pai de Monica é também a referência dela nas tentativas de rebater as críticas à atuação da Polícia Militar em São Paulo. "Meu pai é o primeiro a defender [a PM], mas, quando surge a notícia de uma atitude ruim de um policial, ele repreende", atesta a filha, que diz ter no pai uma espécie de ídolo em quem procura se espelhar. "Uma coisa que eu não vou negar nunca são as minhas raízes", acrescenta. "Eu sou quem eu sou graças aos meus pais."

Imagem na periferia

Ao falar das raízes, o discurso da nova soldado --sempre afinado com o comando da PM, como seria de se esperar dentro da doutrina militar-- revela uma esperança da jovem em tentar contribuir para afastar da Polícia Militar as frequentes críticas de abuso, principalmente contra jovens que vivem na periferia. "Eu moro na periferia e é lá que estão as pessoas que mais precisam da polícia", afirma Monica. "A gente vê muitas coisas negativas na televisão, mas entrei na PM com o intuito de ajudar a melhorar essa imagem. Eu quero fazer a diferença."

Para o cientista político Guaracy Mingardi, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, qualquer esforço de mudança dos policiais militares mais jovens esbarra, no entanto, na dinâmica da PM, em que a experiência nas ruas tende a ter um peso muito maior na formação do soldado do que as aulas de preparação e aprimoramento. "O que um jovem policial trouxer de novo vai enfrentar uma resistência muito grande dos antigos", diz o pesquisador. "O policial passa pouco tempo na sala de aula e muito mais tempo na rua, então é muito mais fácil ele ser moldado pela rua do que pela academia."
O capitão Eduardo Cruz, porta-voz da Escola Superior de Soldados da PM, em Pirituba, na zona norte da capital paulista, rejeita a crítica de Mingardi. Cruz afirma que os policiais resistentes à mudança são uma minoria e que os novos soldados podem, sim, contribuir em uma evolução da mentalidade da corporação. "A cada ano, são quase 5.000 policiais novos. Então, em oito anos, renova-se todo o pessoal que está na rua, porque os mais novos vão chegando e os mais antigos vão subindo na hierarquia ou acabam indo para outros setores da Polícia Militar."

Depois de passar no concurso público para a PM, Monica começou a fazer o curso de formação de soldados em novembro do ano passado. A preparação tem duração de um ano. O primeiro semestre é dedicado a aulas mais teóricas sobre a legislação e as regras de conduta da corporação, mas já inclui uma introdução a atividades de policiamento. O segundo é mais dedicado a aulas práticas e simulações de situações reais.
Terminado o curso, o soldado deve, então, passar por um ano de estágio probatório, durante o qual já atua como policial militar, mas com a supervisão de um colega mais experiente. A Escola Superior de Soldados recebe pouco mais de 2.000 alunos por semestre. Monica se formou em cerimônia realizada na semana passada, no Anhembi, que teve o jornalista Reinaldo Azevedo como paraninfo dos novos policiais militares.

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